Ainda bem que há gente boa
O dia-a-dia da Associação Presente e Futuro.
O dia-a-dia da Associação Presente e Futuro.
Foi até Outubro que a prima Arminda, como é chamada por aqui esteve acamada devido ao estado dos seus pés degradados que arrastaram o mal pelas pernas acima, limitando-a sistematicamente ao longo dos anos até a “atirar” para uma cama. O seu destino estava traçado: um resto de vida penoso e aborrecido, preenchido por dores e mau estar que se aliavam à solidão apenas quebrada pela presença do primo Cândido, seu companheiro de longos anos.
Felizmente, ainda há quem se disponha a contrariar este destino, e, logo a seguir ao pequeno – almoço. É o caso das equipas que fazem apoio domiciliário a quem apresenta mais dificuldades a nível físico e mental. Enquanto a Dª Noémia puxava as orelhas da cama, a Dª Ana compunha o cobertor à prima Arminda no seu sofá ortopédico com várias funções de mobilidade que hoje é para ela o verdadeiro trono do seu limitado reino. Uma Rainha “vaidosa” que falava da sua ida à cabeleireira (à qual inicialmente recusava ir dadas as dificuldades de deslocação) gabando-se do trabalho desta e de relembrar à assistente que tinha de marcar outra sessão, tudo isto explicado ao sabor dos bolinhos de côco oferecidos gentilmente por sua majestade.
A prima Arminda já está no sofá. Não, não foi para lá aos pulos de alegria (esta resume-se ao seu estado de espírito). “No início quando começámos a tratar dela, ela mal conseguia sair da cama”, conta a Dª Ana com o brilho nos olhos de como que um dever que continuamente se cumpre. E acrescenta: que “Depois de a termos conseguido deslocar numa cadeira de rodas, passámos para o andarilho (sempre com grande esforço e paciência, conseguiu-se fazer com que ela subisse um degrau na sua recuperação) e agora o próximo passo é a bengala, sozinha”. E observamo-la a andar nela enquanto se lamentava que tinha medo de se estatelar no chão e ficar logo ali...
Um caso que se pode considerar de semi-independência, onde o doente ainda se consegue movimentar por si e ter alguma autonomia que lhe conceda um certo nível de qualidade de vida.
Enquanto decorria esta visita, já a médica estava no centro a fazer o serviço de voluntariado. Serviços de rotina como medir a tensão, verificar se alguém está a sofrer de cataratas, aconselhar cada um quanto à necessidade de uma ida a um médico especialista de cada uma das necessidades. No fundo, conta a médica: “serve para ver se está tudo bem com eles”, e quem não pode vir de manhã, poderá comparecer à tarde para a sua consulta. Para além da médica “da casa” através da parceria com alguns laboratórios, é possível que estes se desloquem ao centro para realizarem as análises necessárias.
Quem já não tem esta “sorte” é a Dª Eugénia, doente com Alzheimer, completamente dependente e está “presa” a uma cama.
Para além da doença, o mal continuou a bater-lhe à porta trazendo-lhe a morte do marido, o que fez com que o seu filho a mudasse para um quarto de sua casa e a sua mulher abandonasse a sua vida profissional para se dedicar a tempo inteiro à mãe que o deu à Luz. Entre insultos e carícias, entre choros e sorrisos, como que se de mudanças de personalidade espontânea se tratasse, lá lhe conseguiram lavar o cabelo suspenso num alguidar cheio de água enquanto que com a água morna numa caneca lhe retiravam o champô da testa. Sentada já na cadeira de rodas, com auxilio da D. Ana e de sua nora, preparada para a visita ao médico que lhe trata da mesma doença que atingiu o Papa João Paulo II, entre resmungos e palavrões lá se ouviu um “desculpe menino”, como se voltasse ao consciente de uma pessoa sem problemas aparentes antes de partir para um monólogo completamente distante da nossa compreensão, por parte de alguém que deixou algo para fazer há muito, muito tempo.
A esta altura já Mónica, filha da médica voluntária, encontrava-se no centro de dia a distribuir sorrisos e alegria pelos, ainda poucos, idosos que se encontram na sala. Uma senhora ao canto estava com a cabeça junto à janela e com os pés sobre uma placa para os aquecer e dizia sentir-se muito melhor da constipação que a tinha atingido há uma semana atrás, enquanto outra se movia lentamente com o andarilho para o seu querido sofá junto à parede, “mostre-lhe os chapéus que estamos a fazer menina” murmurava, apontando para a mesa redonda de madeira que se encontrava no lado oposto da sala onde estava um chapéu de palha enfeitado com mini-fruta plástica, uma mini-ementa, uma mini-garafa de vinho, tudo em tamanho e com peso (considerável) que torne possível aos idosos transportarem na passerelle do concurso de chapéus entre os centros sociais da região.
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